domingo, 25 de janeiro de 2015

Micaela e Caíque (1)

[Caíque] Às vezes, tenho impressão que todas as pessoas ao meu redor entraram em um liquidificador. Um gigante, de forma que todas pudessem entrar ao mesmo tempo. Quando saíram de lá só restou uma pasta homogênea. O resultado tedioso foi que todas acabaram compartilhando as mesmas opiniões. Os mesmos gostos, as mesmas crenças. Discordam das mesmas coisas. Escutam as mesmas músicas, e admiram os mesmos filmes. Conhecem os mesmos lugares. Quando te conheci, o mundo era mais inocente.
[Micaela] De fato, você ainda continua sendo incapaz de olhar mundo muito além de seu próprio umbigo. A razão de todo esse seu murmúrio é apenas uma. É você que não ampliou seu mundo, e não o mundo que é todo igual.
[Caíque] E você continua se divertindo tecendo comentários pretensiosamente cirúrgicos sobre a maneira como vejo o mundo.
[Micaela] Sempre há alguma coisa em nós morrendo, continuamente. Certos hábitos, entretanto, parecem resistentes ao tempo. Tão perenes, eu diria, quanto a similaridade das pessoas que habitam seu mundo.
[Caíque] É verdade. Talvez eu pudesse moderar um pouco. Acontece que a característica que sempre me despertou mais foram as diferenças, não as afinidades. Recordo de você há quase 10 anos atrás. Lembro-me que mal podia olhar nos seus olhos. Discordávamos de quase tudo...
[Micaela] Não seja excessivamente seletivo em suas memórias. Posso lembrar de muitas coisas das quais concordávamos. Por exemplo, adorávamos ficar acordados até tarde. E gostávamos dos mesmos chocolates.
[Caíque] Mas você só cita os prazeres. Eu me refiro a diferenças de ideias.
[Micaela] Mas não é a saudade um prazer, antes de ser um incômodo?
[Caíque] Então sobre isso concordamos; minha saudade é uma foto do tempo. E eu gosto de conservá-la.