terça-feira, 28 de junho de 2011

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.


(Vinicius de Moraes)


segunda-feira, 20 de junho de 2011

Aquele que já foi
Aquele que ainda é
um reflexo sem espelho
mutilação do tempo
consciência equivocada

sentimento eterno
de breve existência
um amor guardado
em continente móvel
que acaba no encanto

Já houve caminho
repartido em tantos
lembrado em atos
desejado em fatos

Um pouco mais
de palavras pequenas
entregues ao preço
de lágrimas
jamais improvisadas

terça-feira, 14 de junho de 2011

Não tenhas nada nas mãos


Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,

Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,

Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.

Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?

Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?

Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra

Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.

Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.

Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.

(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Prosaico Amor

Uma lembrança de posse
outra vez tentativa
de querer
complicar o erro
sem perder
a suave lembança

não existe garantia
que toda saudade
quando dita
signifique alguma coisa
senão aquilo que mais valioso pode ser

e ser complicado é um erro
esquecido na mentira
quando amiga
de um silêncio fotográfico
e uma vontade
que nunca ganha

terça-feira, 7 de junho de 2011

As Três Palavras Mais Estranhas

"Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,

destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,

crio algo que não cabe no que ainda não existe."

- Wislawa Szymborska

domingo, 5 de junho de 2011

Sonhos

naqueles olhos
tão úmidos
que pediram uma voz
sem razão ou escolhas

desprovidas de coragem
apenas uma tentativa
de que alguma dia
as promessas
sejam mais do que reflexos
um pouco mais
que um espelho
e uma imagem estática

um desejo dizendo
adeus a toda preferência
das escolhas já feitas
pois não há memória
que suporte
nenhum discurso profissional

e não há saudade que aguente
uma imagem sussurante
que se aproxima
outra vez lá de longe
novamente
cercado de caminhos
que podem ser um alívio
ou apenas um sonho